Semana 5
Grãos e os modismos alimentares
Os modismos alimentares prometem saúde eterna ao consumir determinado alimento ou determinado estilo de dieta, entrando e saindo de moda, tão rapidamente quanto as estações do ano. Uma hora é o chocolate, outra hora é a soja, e quando passa a moda entra outro ingrediente, sucessivamente, fazendo o consumidor ficar perdido em tantas múltiplas escolhas, e sem saber até onde o prometido é verdadeiro.
Acabo de receber informativos exaltando as qualidades do grão-de-bico e do feijão branco. Segundo o relatório, são tantos os benefícios, que o ingrediente se torna uma panacéia, passível de curar desde o calo no pé até a queda de cabelo.
E daí resolvi escrever alguma coisa a respeito dos grãos integrais e da verdadeira maximização do seu valor nutricional. Muitos pensam que trocando farinha branca por grãos integrais estarão resolvendo seu problema nutricional. Mas na verdade, podem até passar por novos problemas com a digestão e assimilação desses produtos.
A explicação é fácil: os grãos integrais contêm ácido fítico na sua casca. O ácido fítico combina-se com minerais-chave, especialmente cálcio, magnésio, cobre, ferro e zinco e evita a absorção deles no trato intestinal. A casca da semente do trigo contém substâncias capazes de inibir a ação de enzimas como a tripsina, importantes para a boa digestão dos alimentos. Isso pode resultar em sobrecarga para o pâncreas e digestão incompleta ou inapropriada.
Falar que fibras da casca do trigo, reputadas como saudáveis, possam não ser tão saudáveis assim, pode ser encarado como verdadeira heresia. Como tudo na vida, as fibras também possuem o outro lado da moeda. A verdade é que as fibras podem acelerar o trânsito intestinal, mas em consumo exagerado podem causar irritação no delicado tecido do intestino. Devemos lembrar que 80% da massa fecal é constituída por bactérias e não fibras. Muito mais natural, como somar 2 + 2, é consumir iogurte ou coalhada, repletos de bactérias, capazes de dar suporte à flora intestinal, prevenindo o intestino preso.
Os fanáticos por “comida natural” ou “orgânica” ou “vegetal” ou qualquer que seja o nome que se dá a esse modo de alimentação argumentam que o subproduto do grão de trigo é utilizado em ração animal e portanto, estamos perdendo muitos nutrientes com sua utilização na alimentação animal. Acontece que os animais herbívoros possuem 4 compartimentos em seus estômagos. Além disso, seus intestinos são proporcionalmente mais longos. O ser humano possui apenas 1 estômago, intestino proporcionalmente bem mais curto e trânsito intestinal bem mais rápido do que o dos animais herbívoros. Essas diferenças anatômicas e funcionais permitem ao ser humano digerir e eliminar alimentos de origem animal antes que eles apodreçam no intestino, tornando o ser humano bem menos
adaptado para uma dieta rica em grãos, A MENOS QUE estes grãos sejam preparados de maneira adequada.
O segredo do modo de preparo
Deixar de molho, fermentando, ou deixando o grão brotar antes de cozê-lo neutraliza em grande parte o ácido fítico, liberando estes nutrientes para absorção no organismo. Este processo permite que as enzimas, lactobacilos e outros organismo auxiliares não somente neutralizem o ácido fítico, mas também quebrem os amidos complexos, os taninos irritativos, e as proteínas difíceis de serem digeridas, inclusive o glúten. Para muitos, isto pode minimizar sua sensibilidade ou reações alérgicas a determinados grãos. Todos se beneficiam, sem dúvida, da liberação dos nutrientes e maior facilidade de digestão.
Nossas ancestrais deixavam os grãos de molho por várias horas antes de cozê-los, sem nem saber o motivo, achando talvez que encurtava o tempo de cozimento e economizava energia. No caso de preparo de pães, o preparo de uma “isca” ou seja uma massa já fermentada para fermentar a totalidade de massa. Era a sabedoria da prática sem noção da gramática!
Ao deixar os grãos de molho, permitindo até seu brotar, com fermentação natural por leveduras, as bactérias benéficas presentes realizam parte da digestão desses grãos, ainda FORA do nosso organismo, em processo semelhante ao realizado nos dois primeiros compartimentos dos estômagos dos herbívoros.
No primeiro estágio da preparação de receitas de panificação, deve-se deixar de molho a farinha de grãos integrais em um meio ácido. Para pães com fermento químico utiliza-se geralmente leite com culturas como kefir, iogurte integral, leite azedo cru ou leitelho. Uma pequena quantidade de vinagre de maçã, soro do leite ou suco de limão, adicionados quando o líquido base da receita for acrescentado seja qual for.
Com um remolho de apenas 7 horas neutraliza-se em grande parte o ácido fítico dos grãos. Logicamente o remolho de 12 a 24 horas é ainda melhor, com 24 horas obtendo melhores resultados. Arroz integral, grãos de trigo e cevada são mais facilmente digeridos porque contêm quantidades menores de fitatos que os outros grãos, assim 7 horas é o suficiente. Com outros grãos, particularmente aveia, o maior teor em fitatos de todos os grãos integrais, é melhor deixar de molho por até 24 horas.
Há 2 outras vantagens neste processo de duas etapas. Várias horas de remolho servem para amolecer o grão, resultando em produtos de panificação/ confeitaria mais leves em textura, mais próximos à textura da farinha branca. Isto é de auxílio em particular ao preparar massas de liquidificador, quando a mistura inicial pode não uniformizar o grão tanto quanto desejável. Segundo, é bastante conveniente a divisão em 2 etapas, dividindo a tarefa em dois períodos mais curtos. Corta-se assim o tempo necessário para o preparo da receita antes da cocção. Sem dúvida nenhuma, as tarefas de preparo de alimentos feitas com antecedência representam facilidade conveniente. O processo em 2 etapas cai exatamente nesta categoria.
Avaliando a importância do processo de remolho
Os fitatos podem representar benefícios promissores. As pesquisas indicam que podem estar envolvidos em frear os radicais livres no organismo, contribuidores para doenças cardíacas e câncer, e em evitar também o acúmulo de minerais orgânicos, especialmente do ferro, o que contribui para a formação de radicais livres. Pensa-se que os fitatos possam estar nas camadas do gérmen dos grãos integrais, nas leguminosas (feijões) e em oleaginosas (nozes) e em sementes, fornecendo estas proteções. Contudo, o valor dos fitatos não permite que se ignore o valor do processo do remolho. Em primeiro lugar, a neutralização do ácido fítico para liberar os nutrientes quelados na forma de fitatos não é cumprida exceto sob condições ideais de temperatura e pH. Estas condições não podem ser obtidas facilmente pelos métodos caseiros. Talvez a melhor obtenção seja no preparo da “isca” do pão, uma prática milenar. Não se preocupe em arruinar os benefícios dos fitatos pelo remolho. Muitas pessoas têm falta de minerais essenciais e por isso a dificuldade na digestão do glúten dos grãos (gases, inchaço, sensação de empanzinamento, etc). O processo de remolho, portanto, exerce papel valioso na cocção dos grãos integrais. Os gases provocados na ingestão de feijões e outros grãos são provocados não pelos fitatos, mas por oligossacarídeos presentes neles, e ao deixá-los de molho em água morna mais algumas colheres (sopa) de iogurte, os lactobacilos se encarregarão de pré-digerir os oligossacarídeos e acabam-se os gases.
Vejam bem, não estou afirmando em nenhum momento que o consumo ocasional de grãos integrais não deixados de molho (remolho, fermentação, brotejar) seja prejudicial à saúde e não possam contribuir com seus valores. Mas sem dúvida nenhuma, os processados apropriadamente otimizarão os benefícios à saúde.
Referências bibliográficas:
• Gregg, Sue. Introducing whole grain baking. About phytates. Zondervan Publishing House. 2007.
• www.globo.com – Globo Repórter – Unicamp cria o pão mais nutritivo do Brasil. 03/07/09.
• www.medicinadoestilodevida.com.br – Dr Alexandre Feldman. Deixe o milho de molho para liberar nutrientes.
• The Weston A. Price Foundation – Grains, Seeds, Nuts, Beans. Disponível em www.westonaprice.org.
• McGee, Harold. On food and cooking. Ed. Scribner. 1984.
MINI CURRÍCULO
Dra Licinia de Campos
Graduada em Nutrição (Universidade São Judas Tadeu) com formação autodidata em Gastronomia, atuando no mercado há 30 anos; pós-graduada em Gestão de Negócios de Serviços de Alimentação (SENAC); curso de especialização em Docência e Didática para Ensino Superior em Turismo e Hotelaria (SENAC); curso de Auditor Líder ISO 22000 (Food Design); ex-redatora do Suplemento Feminino do jornal “O Estado de SP” (1984- 1989); especialização em Antropologia Alimentar através de premiação para o Seminário: “Alimentation et hiérarchies sociales et culturelles” pelo IEHCA na Universidade de Tours, França; participante do programa “Com Sabor” da Rede Mulher por 3 anos; tradutora de diversos fascículos e livros para a Editora Globo; consultora gastronômica - nutricional do site www.sic.org.br (Serviço de Informação da Carne) e do site www.lacteabrasil.org.br (leite e derivados); palestrante especializada em Gastronomia e Nutrição; redatora da revista NutriNews há mais de 10 anos com premiação Destaque Food Service 2008; docente em vários cursos das unidades SENAC desde 1998; Coordenadora do curso de Gastronomia da Faculdade Paschoal Dantas; Consultora e Assessora Especializada em
Gestão Operacional Administrativa de Unidades Alimentares; Mestranda pela Universidade de Léon, Espanha, do curso Master em Gerontologia – Ciência do Envelhecimento.
Contatos comerciais:
e-mail: liciniadecampos@uol.com.br
tel: (11) 9737-6596
RECEITAS
Série Jantar rápido
Pilaf de lentilhas e trigo búlgaro (6 porções de 1 xícara cada)
O que é um pilaf? Pilaf é um prato no qual o grão, como arroz ou trigo partido, é dourado no óleo, e depois cozido em caldo temperado. Em alguns casos, o arroz pode adquirir cor dourada por ser misturado com pedacinhos de cebola tostadinha, ou mesmo com várias misturas de especiarias. O termo deriva do persa. Dependendo da cozinha regional, pode também conter vários tipos de carnes e hortaliças. O pilaf e seus pratos semelhantes são comuns no Oriente Médio, Central e Ásia, na África, e no Caribe.
4 ½ xícaras de caldo de galinha 0% - 1 ¼ xícaras de lentilhas enxaguadas – 1 cebola média picada – 1 folha de louro – sal a gosto – ½ colher (chá) de pimenta síria – pimenta do reino a gosto – ¾ xícara de trigo búlgaro (trigo p/ quibe) – 2 colheres (sopa) de suco de limão – 1 colher (sopa) de azeite de oliva extra-virgem – 1 abobrinha italiana pequena cortada ao meio no comprimento e em ½ rodelas – 1 abóbora menina pequena, cortada em rodelinhas – 1 dente de alho esmagado – 2 colheres (chá) de casca de limão ralada – 2 colheres (sopa) de salsa picada – 2 colheres (sopa) de coentro ou dill fresco picado.
Misture o caldo com as lentilhas, cebola, louro, sal, pimenta síria e pimenta do reino em uma panela. Deixe ferver em fogo médio, abaixe o fogo e cozinhe em fervura lenta por 20 minutos. Adicione o trigo e cozinhe até que ambos (trigo e lentilhas) estejam macios e o líquido tenha sido absorvido, 15 a 20 minutos. Retire o pilaf do fogo, elimine a folha de louro e junte o suco de limão. Enquanto isso, refogue em fogo médio no óleo a abobrinha, a abóbora menina, alho e casca de limão. Refogue por 5 minutos. Junte a salsa e coentro (ou dill). Tempere com pimenta. Junte ao pilaf. Sirva quente.
Informação nutricional: 259 kcal; 3g de gorduras totais; 4mg de colesterol; 42g de carboidratos; 0g de açúcares adicionados; 17g de proteínas; 13g de fibras; 213mg de sódio; 659 mg de potássio.
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